quinta-feira, 7 de março de 2013

Os estudantes do IPPUR sobre a palhaçada lúdico-capitalista do senhor prefeito


Todos devem estar acompanhando nas mídias os protestos dos cariocas em relação aos gastos de verbas públicas com jogos que naturalizam a competição imobiliária, enobrecem os "feitos" do prefeito Eduardo Paes e mais que isso transforma esse jogo fúria capitalista em instrumento didático para as nossas crianças e adolescentes! 


Vejam a carta-manifesto dos estudantes do IPPUR

Rio de Janeiro, 04 de março de 2013 

CARTA  ABERTA  DOS  ESTUDANTES  DE  PÓS-GRADUAÇÃO  DO  INSTITUTO  DE  PESQUISA  E 
PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL DA UFRJ AO PREFEITO EDUARDO PAES. 

Os  estudantes  de  pós-graduação  do  Instituto  de  Pesquisa  e  Planejamento  Urbano  e  Regional  da 
Universidade Federal do Rio de Janeiro vêm, por meio desta, manifestar repúdio à iniciativa da Prefeitura do 
Rio de Janeiro em comprar e distribuir o jogo Banco Imobiliário: Cidade Olímpica nas escolas municipais da 
cidade.  Baseando-nos  no  conjunto  de  leis  que  estabelecem  as  diretrizes  gerais  da  educação  e  da  política 
urbana no Brasil, concluímos que esta  atitude foi orientada por  interesses políticos e econômicos que não 
estão comprometidos com o amadurecimento crítico dos jovens cariocas.  
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação determina, em seu parágrafo segundo, que “A educação, dever da 
família  e  do  Estado,  inspirada  nos  princípios  de  liberdade  e  nos  ideais  de  solidariedade  humana,  tem  por 
finalidade  o  pleno  desenvolvimento  do  educando,  seu  preparo  para  o  exercício  da  cidadania  e  sua 
qualificação  para  o  trabalho”.  O  brinquedo  em  questão  não  contribui  com  a  formação  intelectual  e  cidadã 
dos  educandos  acerca  do  espaço  urbano  do  município do  Rio  de  Janeiro.  Ao  invés  disso,  o  jogo 
praticamente  naturaliza  a  competitividade  para  a  acumulação  e  a  especulação  imobiliária  quando,  em  sua 
dinâmica,  gera  expectativas  de  ganhos  econômicos  a partir  de  intervenções  urbanísticas  realizadas  pelo 
Estado.  Afora  isso,  ele  ainda  exalta  as  obras  realizadas  pela  atual  gestão  municipal,  caracterizando-se 
como  um  instrumento  de  propaganda  política,  despreocupado  em  disseminar  entre  os  discentes  da  rede 
municipal  um  entendimento  das  reais  condições  urbanas  de  moradia  e  do  uso  de  equipamentos  públicos 
nas diferentes localidades da cidade mencionadas pelo brinquedo. 
Questionamo-nos: Por que em uma atividade lúdica sobre a cidade em que os alunos vivem, realizada nas 
dependências  escolares,  o  princípio  do  “preparo  para  o  exercício  da  cidadania”  está  confundido  com 
princípios  que  orientam  e  regulam  os  mercados  capitalistas?  Por  que  não  se  desenvolveu  um  jogo  que 
buscasse propagar princípios básicos do Estatuto das Cidades, já que esse “estabelece normas de ordem 
pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança 
e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”? 
O  jogo  estimula  o  educando  a  entender  a  cidade  como  um  espaço  exclusivamente  mercantil.  A 
“compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em 
que se fundamenta a sociedade” são apresentados de forma a impor uma ideologia baseada na competição 
e  na  acumulação  individual  de  bens  materiais.  A  solidariedade  humana  e  a  atuação  em  prol  do  coletivo 
(como  previsto  no  Estatuto  das  Cidades)  são  substituídas  por  valores  individuais.  A  cidade  é  informada 
como sendo mero espaço de acumulação, na qual os problemas resumem-se aos meios para a valorização 
dos imóveis particulares. O “aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética 
e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico” (LEI DE DIRETRIZES E BASES DA 
EDUCAÇÃO) são, portanto, contrariados, considerando-se as  diretrizes básicas da educação e  da política 
urbana no Brasil.  
Por  fim,  o  brinquedo  não  estimula  a  criticidade  e  a  competência  na  resolução  de  problemas  reais  no 
ambiente urbano brasileiro, como a desigualdade no acesso à infraestrutura social, aos serviços públicos e 
à moradia digna.  Ele conforma um discurso ideológico que apresenta um modelo de cidade, resultante de 
um  projeto  político  e  econômico  de  um  determinado  grupo  dominante,  como  natural  e  inquestionável  aos 
educandos,  ignorando os conflitos  que se dão no espaço urbano  em torno da  luta por condições dignas e 
igualitárias de moradia e acesso aos equipamentos públicos de uso coletivo. 
Isto  posto,  tendo  como  base  os  Artigos  32º  e  35º  da  Lei  de  Diretrizes  e  Bases  da  educação,  que  dispõe, 
respectivamente, sobre a finalidade do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, e o Estatuto das Cidades, 
que  estabelece  as  diretrizes  gerais  da  política  urbana,  concluímos  que  a  iniciativa  de  utilizar  tal  jogo  nas 
escolas  é  inadequada  e  nociva  para  a  formação  cidadã  dos  educandos.  Assim,  reafirmamos  o  nosso 
repúdio  e  indignação  quanto  à  distribuição  do  jogo Banco  Imobiliário:  Cidade  Olímpica  nas  escolas  da 
cidade do Rio de Janeiro. 

Assinado: Estudantes de pós-graduação do IPPUR/UFRJ

Atenção amantes da cartográfia

O Arquivo Público do Governo do Estado de São Paulo oferece mais de 1.500 mapas digitalizados, uma oportunidade impar de resgatar nossa memória territorial e artística! <www.arquivoestado.sp.gov.br/mapas.php>

Tem muitas preciosidades como esta que é uma das primeiras plantas da cidade de São Paulo com destaque para nossos meândricos rios! 

#quevontadedeimprimirtudo

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

VICTOR BRECHERET E O MONUMENTO AS BANDEIRAS




Do Blog Oppa <http://blog.oppa.com.br/post/43737993419/victor-brecheret>, conheça rapidamente um pouco da história do Brecheret, o escultor de um de nossos maiores símbolos historicamente e metaforicamente, porque os bandeirantes foram responsáveis pela ocupação territorial do Centro-sul brasileiro. Sanguinários e cristãos desbravadores, são normalmente retratado apenas por aspectos positivos na historiografia brasileira.


Ao andar pela cidade de São Paulo é quase impossível não ver, ou ao menos notar, a grandiosidade do suntuoso monumento em  frente ao Parque do Ibirapuera. E paulistano que é paulistano tem que saber quem foi o o artista que projetou a obra!

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Bom, se você não é paulistano, tudo bem, porque o cara é o aniversariante do dia, então resolvemos dedicar esse post a ele! O escultor Victor Brecheret completaria hoje, dia 22 de fevereiro, 119 anos.
Nascido na Itália, aos trinta anos mudou seu nome de “Vittorio Breheret” para Victor Brecheret, assumindo a identidade brasileira. O escultor Ítalo-brasileiro frequentava as aulas de entalhe do Liceu de Arte e Ofícios e amadureceu seu trabalho na Europa. Hoje é considerado um dos responsáveis pela introdução do modernismo na escultura brasileira.
Influenciado pela arte pós-impressionista, inspirou-se em grandes artistas, como Auguste Rodin, e aqui no brasil aliou-se a Emiliano Di Cavalcanti, Mário de Andrade e Oswald de Andrade iniciando o pensamento vanguardista brasileiro.
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Conhecido por usar boina e representar quase uma caricatura da imagem de um artista, participou de grandes eventos artísticos como a Semana de Arte moderna de 1922.
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Escultura Graça exposta na Galeria Prestes Maia.
Mas, um pouco antes disso, em 1920, Brecheret ganhou um concurso de maquetes para a construção de um grande monumento na cidade. O Monumento às Bandeiras foi o projeto vencedor e três anos depois o Governo do Estado de São Paulo encomendou a execução do projeto. A obra é a maior do escultor e só foi inaugurada em 1953, ou seja, levou 33 anos para ficar completamente pronta (U-A-U!)!
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Agora que você sabe um pouquinho mais sobre esse grande (e paciente) escultor, aprecie sua obra com outros olhos na próxima vez que estiver parado no trânsito! ;)

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

São Paulo parecida com Nova Iorque? Isso não é uma loucura


São Paulo parecida com nova Iorque? Isso não é uma loucura e sim exercício do pensamento de Pawlowski, veja a reportagem publicada da no site da revista Exame  


“Eu vejo muitas semelhanças entre São Paulo e Nova York”. Foi assim que Thaddeus Pawlowski começou sua fala no evento Arq. Futuro, evento que reúne alguns dos principais arquitetos e urbanistas do mundo em São Paulo.
Pawlowski é urbanista do departamento de planejamento de Nova York e visitou São Paulo como parte de um programa de intercâmbio entre os municípios. Para ele, a proposta dos governos tem de ser sempre criar uma “cidade da escolha”, onde os cidadãos possam escolher em qual tipo de habitação querem viver e quais transportes querem pegar.

“E há muitas semelhanças entre São Paulo e Nova York: a energia e o caráter das ruas, elas são duas grandes cidades que atraem algumas das mentes mais brilhantes e ambiciosas do país. E a diversidade”, diz. O urbanista veio para o Brasil com algumas “ideias simples para compartilhar com São Paulo”.

1. Pessoas em primeiro lugar
“Desenho urbano não é uma religião, não é um dogma, mas nós temos um ponto de vista e esse ponto de vista é o do pedestre. Nós olhamos para as coisas primeiramente deste ponto”, diz. Para ele, o que é mais importante de todos os meios de transporte é que eles começam e terminam com alguém andando.

As ruas, então, têm de estar preparadas para o pedestre: “As calçadas têm de ter padrões definidos pela Prefeitura. E calçada não é só a superfície do chão, mas o muro ao lado, as árvores e uma sombra”, afirma.

O segundo meio de transporte mais importante (que vem depois do transporte público na opinião de Pawlowski) é a bicicleta. “Cidades do mundo inteiro estão descobrindo que bicicletas são uma excelente opção”, conta. Em terceiro, o carro que, ele admite, é importante para a economia. “No momento os carros são a prioridade em São Paulo. Dá para entender, mas não pode ser a única prioridade”, defende o urbanista.

2. Respeitar o caráter das vizinhanças
Pawlowski explicou que em Nova York os moradores se identificam muito com sua comunidade, com seu bairro. “Em uma cidade grande como São Paulo não pode ser diferente e todas as obras têm de levar em consideração as características específicas de cada região”, explica.

3. Renascimento do centro
O urbanista também discorreu sobre o centro de São Paulo, por onde ele conta ter passeado pela manhã. Para ele, o centro pode renascer como um distrito de entretenimento.

“A região da Luz realmente pode ser o coração de São Paulo de novo. Precisa de incentivo e desenvolvimento, precisa de mais opções de entretenimento, moradias, hotéis”, defende. Para ele, transformar o centro de São Paulo em uma opção 24h de cultura vai exigir “pessoas com coragem e que pensem a longo prazo, mas pode ser feito”.

4. Integração
“O modernismo brasileiro produziu alguns prédios incríveis, mas não necessariamente boas cidades. É preciso saber integrar diferentes bons projetos”, explica. Para ele, cada projeto individual pode contribuir dentro de seu bairro para criar uma vizinhança melhor.

Projetos como o da Nova Luz têm de se integrar com os moradores e frequentadores da região, com todos aqueles que têm relação com a área e fazer o máximo possível com os recursos existentes.

5. Transparência
Por fim, Pawlowski apontou transparência como uma medida essencial para mudança em São Paulo. “Em todo o processo é importante ser transparente para que a gente possa olhar e ter certeza de que tudo que fazemos faz sentido”, explica.

“Transparência traz participação popular e só assim é possível entender as reais necessidades da cidade. Trazer natureza de volta para São Paulo, por exemplo, não só vai deixar os bairros melhores como vai deixa-los mais ‘andáveis’”, diz. E completa: “Não é o fim da linha para São Paulo, a cidade ainda não deu o que tinha que dar e pode ser melhorada”.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

O Steve Jobs que não saiu na grande mídia

Diversificando um pouco nossos temas, achei um presente o texto de Vicenç Navarro que compartilho com vocês:



Vicenç Navarro
Catedrático de Ciencias Políticas y Políticas Públicas de la Universitat Pompeu Fabra
Ilustración de Mikel Jaso
La muerte de Steve Jobs, fundador y dirigente de la empresa Apple, ha sido el espectáculo mediático empresarial más teatral vivido este año. Durante las últimas semanas hemos visto una enorme movilización de los mayores medios de información internacionales, bajo la batuta del establishment empresarial estadounidense (lo que se llama en EEUU la Corporate Class), para celebrar la vida del que ha sido canonizado unánimemente por tales medios. Uno de los mayores rotativos del país aseguró incluso que había tenido “una vida ejemplar o extraordinaria”, que mostraba el enorme potencial que un ser humano puede alcanzar bajo el capitalismo estadounidense. En esta construcción mediática se ha presentado a Steve Jobs como una persona de orígenes humildes que alcanzó por su propio mérito la cumbre del mundo empresarial, creando nuevos productos que han beneficiado a toda la humanidad. En esta proyección mediática, Steve Jobs es el self-made man, emprendedor por antonomasia que, a base de genio y ambición, llegó a unos niveles de grandeza que pocos alcanzan en nuestro mundo.
Para no ser menos, los rotativos de mayor difusión e influencia en España utilizaron también adjetivos superlativos para describirlo. Le definieron como “ejemplar”, “extraordinario”, “inspirador”, “magnífico” o “un hombre que quiso dar amor en su dedicación a satisfacer a las masas”, “pionero”, digno de “admiración”, “respeto” y “agradecimiento”, “fuente de inspiración para los emprendedores españoles”, “un gran creador de puestos de trabajo”, y así un largo etcétera. Podría continuar y continuar con una larga lista de cantos y alabanzas a la figura del emprendedor cuyo genio supuso el éxito del capitalismo.
En esta divinización (y no creo exagerado este término para definir el clamor unánime de alabanzas) se ignoran varios hechos de su biografía que dan otra versión del personaje. En realidad, Steve Jobs era muy representativo del emprendedor que ha hecho una enorme fortuna a base de utilizar y explotar para beneficio propio bienes comunes sin los cuales no hubiera alcanzado su éxito. Es más, su fortuna se basó, en parte, en una enorme explotación de otros seres humanos. Veamos los datos, comenzando por sus características como empresario empleador. Apple, la empresa de Steve Jobs, no fabrica sus productos en EEUU. Lo hace en Shenzen, una ciudad de China conocida como el Silicon Valley chino, donde trabajan 420.000 trabajadores en condiciones miserables. El grupo empresarial Foxconn dirige tal conglomerado de industrias que producen aparatos electrónicos. En este lugar, incluidas las fábricas de Apple, se explota brutalmente a sus trabajadores (no es extraño que trabajen seis días a la semana 16 horas al día) en condiciones militares en sus cadenas de montaje. Existe un ambiente de terror bien documentado por la obra de Mike Daisey (The agony and the ecstasi of Steve Jobs) en ninguna parte mencionada en la bacanal de elogios escritos a razón del homenaje a su figura.
Su fortuna personal (estimada en 8.500 millones de dólares) y los enormes beneficios de su empresa se basaban, en parte, en esta súper explotación de otros seres humanos. El número de suicidios, consecuencia de las horribles condiciones de trabajo, ha sido denunciado en varios medios internacionales. Según el diario londinense Daily Mail, a los trabajadores de las fábricas de Apple en China se les fuerza a firmar un contrato en el que se comprometen, ellos y sus familias, a no denunciar y a no llevar a la compañía a los tribunales en caso de accidente, daño, muerte o suicidio.
La insensibilidad hacia las condiciones de trabajo en sus empresas reflejaba una actitud muy representativa del gran emprendedor del siglo XX. Su antagonismo, casi hostilidad, hacia la clase trabajadora, era bien conocido. Como señala Eric Alterman en su artículo titulado Steve Jobs. Una vergüenza americana (Steve Jobs. An American Disgrace publicado en The Nation. 28-11-11), Steve Jobs había aconsejado al presidente Obama a imitar a China y permitir a las empresas estadounidenses hicieran, no sólo en China, sino también en EEUU, lo que quisieran, sin ningún tipo de protección a los trabajadores ni al medio ambiente.
Su obsesión era acumular dinero, sin ningún freno en ello. Era el “perfecto emprendedor” de la Corporate America, que se nos quiere presentar como modelo y ejemplo. No se conoce que diera dinero a actos sociales benéficos, como los súper ricos suelen hacer en aquel país como estrategia de marketing para mejorar su imagen. En realidad, ridiculizó a Bill Gates por crear una fundación que lleva su nombre, atribuyendo un supuesto retraso tecnológico de las empresas de Bill Gates (la hostilidad de Steve Jobs hacia Bill Gates era bien conocida) al “excesivo interés de Bill Gates en ayudar a los pobres”. Steve Jobs era un personaje que pertenecía al mundo definido por Charles Dickens.
Una última observación. Las empresas Apple y la gran mayoría de “inventos de la industria electrónica” se basan en el conocimiento de la investigación básica producida en otras instituciones, frecuentemente centros académicos financiados públicamente por el Gobierno federal de EEUU, especializados en temas militares o aeroespaciales. Internet es un claro ejemplo de ello. El conocimiento que produjo Internet, por ejemplo, procedía de las inversiones públicas. Parece ignorarse que el Gobierno federal de EEUU tiene una de las políticas industriales más desarrolladas en la OCDE, invirtiendo enormemente en investigación y desarrollo. La industria electrónica ha explotado tal conocimiento público para sus fines privados. Sin desmerecer la importancia de la investigación aplicada y de la creación intelectual, hay que señalar que la escalera que les permite subir ha sido construida por otros, punto también olvidado en esta biografía de un personaje representativo de lo que significa el capitalismo sin guantes y sin límites.

Disponível em : http://blogs.publico.es/dominiopublico/4388/el-otro-steve-jobs/, acesso em DEZ/2011.

domingo, 17 de abril de 2011

"O direito ao centro da cidade"

NESTE BELÍSSIMO TEXTO O PROFESSOR  Marcelo Lopes de Souza [*] NOS PREMIA COM UMA DISCUSSÃO QUE URGE NUMA ANÁLISE BREVE DOS GRANDES CENTROS URBANOS E DOS CLÁSSICOS PROGRAMAS DE REVITALIZAÇÃO URBANA E A DECORRENTE GENTRIFICAÇÃO: O DIREITO AO CENTRO DA CIDADE.
Não pretendo, com o título deste artigo, (ser mais um a) banalizar e abusar da fórmula lefebvriana do “direito à cidade”. Na verdade, diante de interpretações cada vez mais “aguadas” dessa expressão – convertida em um simpático slogan, à disposição de interesses tão diferentes quanto os de movimentos sociais emancipatórios, intelectuais de esquerda com e sem aspas, ONGs, instituições governamentais e organismos internacionais –, cabe, isso sim, clamar por um mínimo de clareza político-estratégica, ao mesmo tempo em que cumpre relembrar: para o marxista heterodoxo Henri Lefebvre, o “direito à cidade” não se reduzia a simples conquistas materiais específicas (mais e melhor infraestrutura técnica e social, moradias populares, etc.) no interior da sociedade capitalista. O “direito à cidade” corresponde ao direito de fruição plena e igualitária dos recursos acumulados e concentrados nas cidades, o que só seria possível em outra sociedade. [1]
Complementarmente, vale a pena lembrar as contribuições do neoanarquista Murray Bookchin a propósito do tema da “urbanização sem cidades”: para ele, cada vez mais temos uma urbanização que, aparentemente de maneira paradoxal, se faz acompanhar pela dissolução das cidades em um sentido profundo, sociopolítico. [2] O que se tem, cada vez mais, são entidades espaciais enormes, mas crescentemente desprovidas de verdadeira vida pública. Há, em meio a uma espécie de antítese cada vez mais nítida entre urbanização e “cidadização” (“citification”: neologismo que, em Bookchin, significa a formação de cidades autênticas, com uma vida pública vibrante), uma lição fundamental a ser extraída: sem a superação do capitalismo e de sua espacialidade, o que vulgarmente se vai acomodando por trás da fórmula do “direito à cidade” não passa e não passará jamais de migalhas ou magras conquistas, por mais importantes que possam ser para quem padece, nas favelas, loteamentos irregulares e outros espaços segregados, com a falta de saneamento básico, com riscos ambientais elevados, com doenças e com a ausência de padrões mínimos de conforto.
No entanto, a essencialmente geográfica questão da localização (na sua relação com a acessibilidade [3]) está por trás de atritos que se vêm avolumando nos últimos anos. Há um “direito” específico (não em sentido imediatamente jurídico, mas sim em sentido moral), de ordem “tática”, que deveria ser compreendido nos marcos de uma luta mais ampla, “estratégica”: o direito de a população pobre permanecer nas áreas centrais das nossas cidades. Esse “direito moral”, os esquemas e programas de “regularização fundiária” vêm tentando, para o bem e para o mal, converter em um direito legal assegurado (segurança jurídica da posse). No caso das favelas, avançou-se bastante no terreno legal, desde os anos 80; em se tratando de ocupações de sem-teto, e em especial de ocupações de prédios, porém, quase tudo ainda resta por fazer – inclusive no que se refere ao desafio de, ao “regularizar”, não (re)inscrever, pura e simplesmente, um determinado espaço plenamente no mundo da mercadoria, adicionalmente favorecendo a destruição de formas alternativas de sociabilidade (que florescem em várias ocupações) e a cooptação dos moradores. [4]
As favelas têm sido, há mais de um século, precursoras de uma luta pelo direito de residir nas áreas centrais. Se tomarmos o caso emblemático do Rio de Janeiro, verificaremos que essa luta já se inicia com a virada do século XIX para o século XX, assumindo contornos particularmente dramáticos com a erradicação, na esteira da reforma urbanística do prefeito Pereira Passos (1902-1906), de muitos cortiços e casas de cômodos: precisamente essa erradicação em massa, verdadeira “limpeza étnica” que mostra bem o espírito antipopular do que foi a República Velha, alimentou a suburbanização (a rigor, periferização) e, também, a favelização dos pobres.
Contudo, as favelas, espaços de resistência tão importantes até poucas décadas atrás – os quais, a partir da mobilização da Favela de Brás de Pina (em 1965), no Rio de Janeiro, desenvolveram uma tenaz luta contra as remoções promovidas durante o Regime Militar, que foi encampada pela antiga Federação das Associações de Favelas do Estado da Guanabara (FAFEG) –, foram, aos poucos, tombando vítimas da cooptação, da despolitização e de seus múltiplos agentes: políticos clientelistas, traficantes de drogas, igrejas neopentecostais… A atuação de uma pletora de ONGs (animadas por indivíduos de classe média), a partir sobretudo dos anos 90, longe de reverter o quadro, talvez até o tenha, em parte, agravado, ao se tentar impulsionar uma “inclusão social” às custas da verdadeira mobilização popular e da conscientização crítica.
O fato é que, nas áreas centrais, as favelas foram ocupar terrenos que poderiam ser qualificados de “terras marginais”, historicamente desprezadas pelos mais aquinhoados (encostas de morros, beira de rios e canais). [5] Hoje em dia, o movimento dos sem-teto, que tenta resgatar a bandeira da reforma urbana do “tecnocratismo de esquerda” que a arrebatou na década de 90, [6] ocupa, muitas vezes, terrenos periféricos (como é o caso em São Paulo, em Salvador, em Belo Horizonte e mesmo no Rio de Janeiro), mas também territorializa, outras tantas vezes, prédios “abandonados” e ociosos (a exemplo de São Paulo, Porto Alegre e, principalmente, do Rio de Janeiro).
Já quase não há terrenos vazios em áreas centrais, passíveis de ocupação. As favelas localizadas nos arredores do CBD (Central Business District), isto é, da área econômica central (nos casos em que ainda há uma: essa geometria veio se tornando cada vez mais relativa e complexa com o passar das décadas), são, via de regra, muito antigas e consolidadas. São sobreviventes das ondas de remoções e despejos do passado, em particular daquelas dos anos 60 e 70. Mas, por força de vários fatores (falências fraudulentas, dinâmicas internas ao próprio aparelho de Estado…), há uma quantidade apreciável dedomicílios vagos no Brasil, muitos assim deixados especulativos ou em decorrência de processos que, mesmo não sendo sempre intencionais, geram um “passivo social e espacial”. O contraste desse imenso estoque de domicílios vagos com as estimativas referentes ao déficit habitacional brasileiro é esclarecedor acerca da motivação básica para o surgimento e expansão do movimento dos sem-teto no Brasil. [7] No que se refere, especificamente, à luta para permanecer nas áreas centrais, cabe ressaltar que, para os moradores das ocupações − que são, na sua esmagadora maioria, trabalhadores informais, muitos deles ambulantes −, morar nas proximidades do CBD significa residir perto dos locais em que comercializam seus produtos, sem sofrer excessivamente com custos de transporte. Algo fundamental, portanto − isso sem falar na infraestrutura técnica e social, há muito consolidada nas áreas centrais das cidades.
Por outro lado, o capital vê na “revitalização” de áreas centrais, justamente, um riquíssimo veio a ser explorado. Já nos anos 80 David Harvey, desdobrando um insight sobre a importância crescente da produção do espaço (e não somente no espaço) para acumulação capitalista que originalmente remete a Henri Lefebvre, havia discutido a relevância do “circuito secundário” da acumulação de capital. [8] Este circuito é aquele que se vincula não à produção de bens móveis, mas sim à produção de bens imóveis, isto é, do próprio ambiente construído. O capital imobiliário (fração do capital um tanto híbrida, que surge da confluência de outras frações) tem, nas últimas décadas, assumido um significado crescente, na interface com o capital financeiro – às vezes com consequências globalmente catastróficas, como se pode ver pelo papel da bolha das “hipotecas podres” na crise mundial que eclodiu em 2008. Pelo mundo afora, a contribuição da construção civil na formação da taxa de investimento foi-se tornando cada vez mais expressiva, nas últimas décadas. E em todo o mundo – das Docklands, em Londres, a Puerto Madero, em Buenos Aires –, “revitalizar” espaços obsolescentes (presumidamente “mortos”, pelo que se vê com o ostensivo uso ideológico de um termo como “revitalização”) tem sido um dos expedientes principais na criação de novas “frentes pioneiras urbanas” para o capital.
No Rio de Janeiro, a disputa entre as ocupações de sem-teto e os interesses ligados à “revitalização” da Zona Portuária e do Centro – a qual gravita ao redor do projeto do “Porto Maravilha”, [9] em que, com o respaldo da política repressiva batizada pela Prefeitura de “Choque de Ordem”, se tenta promover uma “gentrificação”[10] em larga escala – vai ficando mais e mais evidente e tensa. Diversos pesquisadores do Núcleo de Pesquisas sobre Desenvolvimento Sócio-Espacial (NuPeD) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) têm desenvolvido estudos que mostram essas tensões. [11]
Em São Paulo tem-se um processo análogo, que gira em torno do projeto da “Nova Luz”, de revitalização da “Cracolândia” e adjacências. [12] E, também analogamente, está-se diante, também em São Paulo, de um “regime urbano” [13] caracterizável como conservador e repressivo, identificado com o “empresarialismo urbano” e não com a reforma urbana (nem mesmo na sua versão “domesticada”, “tecnocrática de esquerda”, levada à caricatura pelo Ministério das Cidades do governo Lula).
Em meio a uma “democracia” representativa ritualmente celebrada por meio de eleições regulares, na qual os direitos políticos formais são básica e aparentemente respeitados, direitos humanos e sociais fundamentais são, entretanto, sistematicamente violados. Atualmente, a repressão e as tentativas de cooptação e desmobilização popular a serviço da expulsão das populações pobres das áreas centrais das grandes cidades são um exemplo cabal dessas violações de direitos. Considerando a disparidade de meios econômicos, propagandísticos e de violência à disposição dos contendores, trata-se de uma luta tremendamente desigual. Mas, contra a força dos argumentos, nem sempre o “argumento” da força prospera indefinidamente. Vale lembrar do lema aprovado pela Asamblea Popular de los Pueblos de Oaxaca, no México, em 2007: “Nosotros no podemos con sus armas. Ustedes no pueden con nuestras ideas.”
Agradecimento
Agradeço a Daniela Batista Lima pelo levantamento dos dados atualizados sobre déficit habitacional edomicílios vagos no Brasil que constam da nota 7.
Notas
[*] Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
[1] Focalizei essas questões em “Which right to which city? In defence of political-strategic clarity”. Interface: a journal for and about social movements, 2(1), pp. 315-333. Disponibilizado na Internet (http://interface-articles.googlegroups.com/web/3Souza.pdf) em 27/05/2010.
[2] Ver, de Murray Bookchin, Urbanization without Cities. The Rise and the Decline of Citizenship. Montreal e Cheektowaga: Black Rose Books, 1992.
[3] O tema da acessibilidade foi interessantemente trabalhado por Kevin Lynch em seu admirável livroGood City Form (Cambridge [MA], The MIT Press, 1994 [1981]). (Há uma tradução para o português, intitulada A boa forma da cidade, publicada em 2007 pelas Edições 70, de Lisboa.)
[4] Esse é o sentido, portanto, da ressalva que fiz antes: “para o bem e para o mal”. Sem dúvida que a segurança jurídica da posse é uma demanda tradicional e legítima das populações dos espaços segregados que, por sua situação ilegal ou irregular, sofre toda sorte de discriminações, intimidações e violências. A questão é que a regularização fundiária também se presta a uma facilitação da (re)inserção de espaços no circuito formal do mundo da mercadoria. E mais: em se tratando, sobretudo, de ocupações de sem-teto, que muitas vezes têm sido interessantes ambientes de experimentação de formas de organização e socialização alternativas (em certos casos chegando até mesmo à autogestão e formas bastante “horizontais” de organização política), um esquema de regularização fundiária pode, dependendo de sua natureza, desestruturar toda uma vida de relações e prejudicar certas iniciativas e atividades dos moradores. Valores e hábitos cultivados com dificuldade, como assembleias regulares, compartilhamento de responsabilidades, cooperação sistemática, rotatividade de tarefas, etc. podem vir a ser solapados, sendo substituídos completamente ou quase completamente pelo individualismo e pelo privatismo.
[5] A expressão “terras marginais” lembra a teoria da renda da terra, sistematizada por Ricardo e aprimorada por Marx. No entanto, há objeções bastante razoáveis à transposição da reflexão marxiana (ou ricardiana) para o espaço urbano, objeções que, em larga medida, compartilho (ver, por exemplo, a tese de doutorado de Csaba Deák, Rent Theory and the Price of Urban Land. Spatial Organization in a Capitalist Economy, de 1985 [http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/CD/3publ/85r-thry/CD85rent.pdf]). Utilizo aqui aquela expressão, por conseguinte, em um sentido mais livre, sem que o leitor ou a leitora deva pressupor que estou querendo forçar uma analogia.
[6] Vide, sobre esse assunto, o meu livro A prisão e a ágora. Reflexões sobre a democratização do planejamento e da gestão das cidades (Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2006).
[7] Segundo estimativas da Fundação João Pinheiro (Déficit habitacional no Brasil - Municípios selecionados e microrregiões geográficas, Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, 2005, 2.ª ed.), o déficit habitacional brasileiro já montava, em 2000, a 7,2 milhões de domicílios. Contudo, segundo relatório de julho de 2010 do Ministério das Cidades, baseado em levantamentos da Fundação João Pinheiro, o déficit habitacional no Brasil estimado para 2008 teria baixado para cerca de 5,6 milhões de domicílios, dos quais 83% estariam localizados nas áreas urbanas (http://www.cidades.gov.br/noticias/deficit-habitacional-brasileiro-e-de-5-6-milhoes/). (Para 2007, a Fundação João Pinheiro, em estudo com data de junho de 2009, havia estimado o déficit habitacional em aproximadamente 6,3 milhões de domicílios, dos quais 82,6% localizados nas áreas urbanas [http://www.fjp.gov.br/index.php/servicos/81-servicos-cei/70-deficit-habitacional-no-brasil].) Os números da Fundação João Pinheiro sobre o déficit habitacional brasileiro me parecem conservadores; mas, seja lá como for, a ordem de grandeza dos números referentes ao estoque de domicílios é a mesma, embora os valores sejam um pouco mais elevados. Segundo dados divulgados pelo Ministério das Cidades, os domicílios vagos em condições de serem ocupados e em construção, em todo o Brasil, correspondiam, em 2008, a 7,2 milhões de imóveis, dos quais 5,2 localizados em áreas urbanas (vide “link” supracitado); e conforme a Fundação João Pinheiro, em todo o Brasil seriam cerca de 7,3 milhões de imóveis não ocupados, dos quais aproximadamente 5,4 milhões localizados em áreas urbanas; desse total, 6,2 milhões estariam em condições de serem ocupados - o restante estaria em construção ou em ruínas, este último caso correspondendo a uma minoria de cerca de 300 mil unidades (vide “link” supracitado).
[8] Ver, de Harvey, “The urban process under capitalism: A framework for Analysis” (incluído em The Urbanization of Capital, Baltimore, The Johns Hopkins University Press, 1985). De Lefebvre, vale a pena começar por A revolução urbana (a edição que consultei é espanhola: La revolución urbana, Madrid, Alianza Editorial, 1983 [1970], 4.ª ed.; há uma edição brasileira, publicada em Belo Horizonte pela Editora UFMG, em 1999) e prosseguir com A produção do espaço (La production de l’espace, Paris, Anthropos, 1981 [1974]).
[9] O “site” oficial do projeto é: http://www.portomaravilhario.com.br/
[10] “Gentrificação” é um horrível termo técnico, aportuguesamento canhestro do inglês “gentrification”, ou nobilitação, enobrecimento. Na literatura especializada, trata-se do processo, menos ou mais violento, menos ou mais gradual, de substituição da população pobre por atividades econômicas de alto status(shopping centres, prédios de escritórios, etc.) e residências para as camadas mais privilegiadas.
[11] De maneira às vezes mais direta, às vezes mais indireta, é o caso da tese de doutorado de Tatiana Tramontani Ramos (em andamento) e das dissertações de mestrado de Eduardo Tomazine Teixeira (defendida em 2009), Matheus da Silveira Grandi (defendida em 2010), Rafael Gonçalves de Almeida (em andamento), Marianna Fernandes Moreira (em andamento) e Amanda Cavaliere Lima (em andamento).
[12] O “site” oficial do projeto é: http://www.novaluzsp.com.br/
[13] O conceito de “regime urbano” (urban regime) foi proposto por Clarence Stone (“Urban regimes and the capacity to govern: A political economy approach”, Journal of Urban Affairs, 15[1], 1993, pp. 1-28) para caracterizar as combinações de formas institucionais e interesses econômicos (especialmente interesses e pressões de classe) que se expressam na qualidade de estilos de gestão específicos: uns mais abertos à pressão dos trabalhadores e permeáveis à participação popular (com ou sem aspas), outros mais repressivos e refratários a uma agenda “progressista”, e por aí vai. Mesmo que a classificação de Stone não deva ser transposta irrefletidamente para uma realidade bem diferente da estadunidense, como a brasileira, a ideia do conceito é útil em si mesma.

"Urbanismo no país das maravilhas"

João Crestana - O Estado de S.Paulo
Em 1865, o inglês Charles Lutwidge Dodgson - com o pseudônimo de Lewis Carroll - lançou Alice no País das Maravilhas. Completa de simbolismos, a obra surreal pode servir de pano de fundo para discutir o urbanismo.
Das criaturas peculiares da história que se desenrola como se fora obra do teatro do absurdo, o coelho branco diz no início: "Vou chegar atrasado!". Percebe-se que ele corre atrás de algo que não sabe o que é, demonstra medo e se transforma, mais adiante, em figura manipuladora, apoiando a Rainha de Copas, cuja forma de solucionar impasses é exigindo a cabeça dos opositores.
Se traçarmos um paralelo com aqueles que discutem urbanismo por aqui, encontraremos coelhos, rainhas e Alices. Uns correndo atrás sabe-se lá do quê, para depois manipular situações que favoreçam hipócrita parcela da população, que mora bem e quer manter o sol em seus quintais. "Coelhos" que esquecem os cidadãos de baixa renda, famintos por dignidade e moradia. Formam-se 30 mil novas famílias por ano em nossa cidade! É correto preservar o patrimônio histórico e o meio ambiente, mas temos de garantir vida digna ao homem.
Para construir justiça social é preciso diálogo com todos os cidadãos. Urge percorrer sem preconceitos os espaços possíveis de aproximação que permeiam o controverso. Tal atitude demonstra interesse real pela boa ocupação urbana, que talvez se aperfeiçoe com o "urbanismo no boteco ou cabeleireiro", com discussões permanentes que formem cultura popular.
Soluções têm de ser conjuntas. Não há espaço para imposição de opiniões e decisões arbitrárias, tomadas por única autoridade, como a Rainha de Copas.
São Paulo é dispersa, com emprego e moradia separados por quilômetros, guetos nas periferias, alto consumo de petróleo, perda de tempo e vitalidade nos longos deslocamentos em carros ou em balouçantes ônibus. Mobilidade trôpega que polui e reduz a vida da população. Esse modelo alicerçado no automóvel é do início do capitalismo e está defasado.
Verdade que o Brasil não fez a lição de casa. Passou quase todo o século 20 formando suas cidades, em termos imobiliários, populacionais, ambientais e políticos. Em 1872, éramos 32 mil pessoas aqui, na Pauliceia. Em 2011, somos 11 milhões - 20 milhões na região metropolitana. São Paulo é o coelho da Alice.
Diante dessa realidade, a solução dos problemas de drenagem, saneamento, água, mobilidade e habitação ficou para este século. Mas temos de estabelecer iniciativas concretas de curto, médio e longo prazos até 2050, como defendido pela atual administração municipal.
Mais ainda: há de se derrubar a lenda urbana que condena a verticalização, por servir à "especulação imobiliária". Para isso, é necessário traçar uma equação que privilegie o adensamento com qualidade e os centros autossustentáveis. Cidade compacta, com moradias, serviços, áreas de varejo e culturais convivendo em harmonia. Mobilidade urbana inteligente e moderna, ciclovias, VLTs (os novos bondes), tudo aberto e no nível do chão. Acessibilidade, vida ao alcance das mãos. Sem "minhocões" e trilhos elevados, estações futurísticas sobre escadas recheadas de valetes de copas, grifos e lagartas com cachimbo.
Cidades precisam de visões que as orientem e imagens que as identifiquem. Quem é São Paulo? Pode ser a cidade dos sonhos, desde que lideranças conscientes estabeleçam conexões sérias com as reais demandas. Há áreas que devem ser centros de germinação capazes de impulsionar o desenvolvimento de outras, mudar a lógica da ocupação e o desenho urbano.
As oportunas operações urbanas Nova Luz e Águas Espraiadas são indubitavelmente os candidatos imediatos. Mas evitemos construir ali labirintos de espelhos e tocas de coelhos.
É hora de priorizar a boa ocupação urbana; ouvir, discutir com didática e desprendimento. Afinal, não se fracassa por planejar, mas se fracassa por não fazê-lo.
PRESIDENTE DO SECOVI-SP, DA COMISSÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA IMOBILIÁRIA DA CBIC E REITOR DA UNIVERSIDADE SECOVI