domingo, 17 de abril de 2011

"Urbanismo no país das maravilhas"

João Crestana - O Estado de S.Paulo
Em 1865, o inglês Charles Lutwidge Dodgson - com o pseudônimo de Lewis Carroll - lançou Alice no País das Maravilhas. Completa de simbolismos, a obra surreal pode servir de pano de fundo para discutir o urbanismo.
Das criaturas peculiares da história que se desenrola como se fora obra do teatro do absurdo, o coelho branco diz no início: "Vou chegar atrasado!". Percebe-se que ele corre atrás de algo que não sabe o que é, demonstra medo e se transforma, mais adiante, em figura manipuladora, apoiando a Rainha de Copas, cuja forma de solucionar impasses é exigindo a cabeça dos opositores.
Se traçarmos um paralelo com aqueles que discutem urbanismo por aqui, encontraremos coelhos, rainhas e Alices. Uns correndo atrás sabe-se lá do quê, para depois manipular situações que favoreçam hipócrita parcela da população, que mora bem e quer manter o sol em seus quintais. "Coelhos" que esquecem os cidadãos de baixa renda, famintos por dignidade e moradia. Formam-se 30 mil novas famílias por ano em nossa cidade! É correto preservar o patrimônio histórico e o meio ambiente, mas temos de garantir vida digna ao homem.
Para construir justiça social é preciso diálogo com todos os cidadãos. Urge percorrer sem preconceitos os espaços possíveis de aproximação que permeiam o controverso. Tal atitude demonstra interesse real pela boa ocupação urbana, que talvez se aperfeiçoe com o "urbanismo no boteco ou cabeleireiro", com discussões permanentes que formem cultura popular.
Soluções têm de ser conjuntas. Não há espaço para imposição de opiniões e decisões arbitrárias, tomadas por única autoridade, como a Rainha de Copas.
São Paulo é dispersa, com emprego e moradia separados por quilômetros, guetos nas periferias, alto consumo de petróleo, perda de tempo e vitalidade nos longos deslocamentos em carros ou em balouçantes ônibus. Mobilidade trôpega que polui e reduz a vida da população. Esse modelo alicerçado no automóvel é do início do capitalismo e está defasado.
Verdade que o Brasil não fez a lição de casa. Passou quase todo o século 20 formando suas cidades, em termos imobiliários, populacionais, ambientais e políticos. Em 1872, éramos 32 mil pessoas aqui, na Pauliceia. Em 2011, somos 11 milhões - 20 milhões na região metropolitana. São Paulo é o coelho da Alice.
Diante dessa realidade, a solução dos problemas de drenagem, saneamento, água, mobilidade e habitação ficou para este século. Mas temos de estabelecer iniciativas concretas de curto, médio e longo prazos até 2050, como defendido pela atual administração municipal.
Mais ainda: há de se derrubar a lenda urbana que condena a verticalização, por servir à "especulação imobiliária". Para isso, é necessário traçar uma equação que privilegie o adensamento com qualidade e os centros autossustentáveis. Cidade compacta, com moradias, serviços, áreas de varejo e culturais convivendo em harmonia. Mobilidade urbana inteligente e moderna, ciclovias, VLTs (os novos bondes), tudo aberto e no nível do chão. Acessibilidade, vida ao alcance das mãos. Sem "minhocões" e trilhos elevados, estações futurísticas sobre escadas recheadas de valetes de copas, grifos e lagartas com cachimbo.
Cidades precisam de visões que as orientem e imagens que as identifiquem. Quem é São Paulo? Pode ser a cidade dos sonhos, desde que lideranças conscientes estabeleçam conexões sérias com as reais demandas. Há áreas que devem ser centros de germinação capazes de impulsionar o desenvolvimento de outras, mudar a lógica da ocupação e o desenho urbano.
As oportunas operações urbanas Nova Luz e Águas Espraiadas são indubitavelmente os candidatos imediatos. Mas evitemos construir ali labirintos de espelhos e tocas de coelhos.
É hora de priorizar a boa ocupação urbana; ouvir, discutir com didática e desprendimento. Afinal, não se fracassa por planejar, mas se fracassa por não fazê-lo.
PRESIDENTE DO SECOVI-SP, DA COMISSÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA IMOBILIÁRIA DA CBIC E REITOR DA UNIVERSIDADE SECOVI 

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